Desde que o ChatGPT se popularizou, prometendo melhorar a organização e otimizar o tempo em escolas e instituições de ensino superior, a educação tem sido impactada. De gestores a educadores e estudantes, todos os envolvidos no processo educacional demonstram curiosidade e interesse em inovar usando essas plataformas.
Contudo, o acesso a tipo de plataforma requer, cada vez mais, um conhecimento de como elas funcionam, quais comandos melhor se adaptam e como elas devem ser usadas de forma ética.
Com a promessa de facilidade, há também riscos relacionados a conteúdos enviesados. Tanto escolas quanto universidades precisam estar atentas a eles. De olho nessa movimentação, muitos grupos educacionais do setor privado começam a planejar as próprias plataformas (partindo de modelos existentes), com bases de dados alimentadas por informações das empresas.
O SESI (Serviço Social da Indústria) atua dessa maneira. Sua plataforma auxilia professores na criação de planos de aula e conta com uma base com três mil planos elaborados por especialistas, além de permitir que a IA faça análise dos materiais e recursos didáticos a partir da abordagem educacional da rede.
“Optamos por desenvolver uma base própria para ter maior controle sobre a qualidade e a relevância do material. As vantagens incluem a capacidade de personalizar o conteúdo para atender às necessidades específicas dos estudantes e garantir o alinhamento ao sistema e às nossas diretrizes educacionais, com uma integração mais profunda com nossas metodologias de ensino”, afirma a organização em entrevista ao Porvir.
A questão da segurança no conteúdo que os professores vão receber após o prompt – comando dado à plataforma – é uma preocupação geral. Plataformas como o ChatGPT usam informações disponíveis na internet, o que traz riscos e necessidade de verificação contra erros.
A equipe do SESI explica que todos os componentes curriculares têm material disponível na plataforma, desenvolvida para se alinhar com as diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o currículo da instituição. “O trabalho de conexão foi feito para educação infantil, ensino fundamental e ensino médio envolveu uma análise detalhada dos objetivos de aprendizagem e os conteúdos já existentes que trabalham desenvolvimento de competências e habilidades dos estudantes”, reforça.
A Cogna Educação, conglomerado educacional que oferece soluções para diferentes etapas e modalidades de ensino, lançou a plataforma Cogna IA, que funciona como um marketplace para aproveitar seus conteúdos e proteger informações sensíveis (públicas, privadas e confidenciais).
Segundo Roberto Valério, CEO da Cogna, o foco é entender como a inteligência artificial pode melhorar produtos, tornar processos mais eficientes e criar novas oportunidades.
Novamente, conteúdos varridos da internet são uma preocupação. No âmbito da criação de conteúdo com apoio da IA o executivo diz que a estratégia é recorrer a um material pré-selecionado, que não vem diretamente da internet como um todo, mas do que a Cogna tem à disposição.
“Criamos uma instância separada e protegida onde colocamos todos os nossos conteúdos, e quando usamos IA para produzir questões ou tirar dúvidas dos alunos, ela não está indo na internet buscar informações que não estão curadas, está indo na nossa base de dados e no nosso sistema de ensino”, explica Roberto.
Entre as ferramentas sob o guarda-chuva da Cogna estão também o Plurall.ia,que utiliza materiais da Somos Educação, e o Edu, um assistente para estudantes baseado IA ainda em fase de testes. Ele tanto pode sugerir caminhos de estudos sobre matérias cursadas, quanto lembrar os alunos sobre datas importantes e provas.
Na mesma onda de criação de plataformas próprias, algumas empresas estão se aliando a outros gigantes da tecnologia para pensar seus produtos educacionais com inteligência artificial.
Recentemente, a Arco – grupo dono da COC, Positivo, SAS, isaac entre outros – fez uma parceria com a OpenAI, criadora do ChatGPT, para a elaboração de uma ferramenta que adapta conteúdos para crianças com deficiência ou transtornos de aprendizagem.
As ações da ferramenta vão além de adaptar o conteúdo. Seguindo a mesma lógica da Cogna, a plataforma da Arco baseada em IA já está presente em diferentes soluções do grupo. A Geekie One, focada em personalização, é uma delas e já utiliza o sistema para corrigir questões dissertativas.
Além disso, a nova ferramenta auxilia educadores na elaboração de planos de aula, complementando as funcionalidades das plataformas citadas anteriormente.
E quando se fala sobre atualizar currículos, como a IA pode ser um recurso para prever o que vai acontecer no mercado de trabalho? O Senac está utilizando inteligência artificial para analisar as competências dos cursos técnicos e avaliar o impacto da IA e da automação nessas competências. Essa análise está subsidiando a revisão curricular dos cursos, buscando adequá-los às demandas da quarta revolução tecnológica.
Atualmente, segundo Arthur William, supervisor de tecnologias educacionais do Senac, está em andamento um mapeamento das iniciativas de IA nos departamentos regionais, que abrange práticas educacionais, softwares, ferramentas, medidas de gestão, formação docente e eventos.
“Se não fossem esses modelos de inteligência artificial, o processo de avaliação dos impactos tecnológicos seria diferente. Embora atualmente avalie o impacto da inteligência artificial, o mesmo método poderia ser aplicado a qualquer outro tema”, diz Arthur.
A revisão curricular ou mesmo a definição estratégica pode ser um processo demorado. Sem o uso dessa tecnologia, identificar tendências de mercado, discutir seu impacto nos currículos, implementar as mudanças e anunciá-las poderia levar anos. No entanto, a rápida frequência das atualizações tecnológicas exige que nos antecipemos. Isso é fundamental, porque, se demorarmos muito, os alunos podem se formar com base em uma realidade já desatualizada”, afirma.
Com essa nova abordagem, segundo o representante do Senac, já é possível prever com antecedência as competências necessárias para os próximos 5 ou 10 anos, possibilitando um planejamento educacional baseado em tendências futuras. “A antecipação é essencial para garantir que os alunos estejam preparados para o mercado do futuro, e não presos a uma perspectiva do passado.”
Embora o uso de tecnologia já fizesse parte do processo anteriormente, a inteligência artificial traz um diferencial significativo. Com a IA, agora é possível mapear sites de ofertas de emprego para identificar tendências e demandas do mercado, garantindo que a formação oferecida esteja alinhada às necessidades futuras.
A tecnologia evolui muito rápido. Às vezes, tanto que fica difícil para educadores acompanharem esse ritmo, surgindo assim a preocupação – e a necessidade – de formação docente na área.
Rodrigo Cavalcanti, vice-presidente de Experiência e Sucesso do Aluno na Cogna, explica que a empresa trabalha na capacitação docente com o auxílio de tutores espalhados pela rede, por meio de uma plataforma de educação corporativa. “É um treinamento bastante simples, não tem nada sofisticado. Mas eles são treinados a usar a plataforma e estimulados a utilizá-la para montarmos um banco de questões”, comenta.
O SESI, por sua vez, mantém núcleos pedagógicos e uma rede de professores formadores que participam de capacitações no Departamento Nacional, em Brasília (DF), e seguem em contato com o Centro SESI de Formação em Educação. A proposta é familiarizar os educadores com a plataforma e orientá-los sobre como aprimorar o planejamento de aula com o auxílio da tecnologia.
Assim como os guardrails – termo em inglês para aquelas barreiras metálicas nas laterais das estradas que mantêm os veículos na pista em curvas e pontes, protegendo os ocupantes – evitam acidentes sem limitar a movimentação, os guardrails na IA garantem inovação com segurança, evitando que os sistemas cometam erros graves.
Guilherme Cintra, diretor de Inovação e Tecnologia da Fundação Lemann, destaca que essa postura protetiva pode ajudar a limitar os conteúdos acessados por estudantes e professores, adequando-os às diferentes faixas etárias – algo que ele considera positivo. “É uma tendência lógica. O que não faz sentido é as empresas criarem seus próprios modelos, que são extremamente caros. Por outro lado, é coerente trabalhar em cima de um modelo que já existe, como o ChatGPT, para criar dinâmicas”, analisa.
Ele argumenta que o ChatGPT, por exemplo, não foi projetado para ser utilizado por crianças na educação básica, especialmente no contexto brasileiro. “Essas ferramentas são baseadas em conteúdos disponíveis na internet, que, embora abrangentes, não apresentam ótimos exemplos de exercícios ou não estão totalmente alinhados à BNCC, nem integrados a princípios pedagógicos”, destaca.
Ao adequar as plataformas ao contexto educacional, Guilherme ressalta que as empresas conseguem observar a questão da segurança de forma mais controlada. Ele também reforça que as interações entre estudantes e máquinas podem ser delicadas: um aluno, por exemplo, pode compartilhar com a plataforma uma pergunta ou dado pessoal, e cabe a essas organizações zelar por esse tipo de segurança.
Saiba mais em: https://porvir.org/grupos-educacionais-inteligencia-artificial/
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